Photo Sharing and Video Hosting at Photobucket O Tronco da Teia

quinta-feira, dezembro 02, 2004

4:00 da tarde
O nosso homem em Pyongyang

Há uma característica comum em quase todos os ditadores modernos: gostam de cinema. Hitler, por exemplo, bancou o trabalho da talentosa Lenni Riefenstahl, e desta parceria sairam coisas como “O Triunfo da Vontade” ou “Olympia”. Já Saddam Hussein chamou um Terence Young em decadência (entenda-se, depois do êxito nos primeiros filmes de 007) para dar uns toques na transição da sua vida para a tela, um épico de seis horas de seu nome “Ayyam al-tawila” (“The Long Days”, na versão inglesa), que era de visão obrigatória para o povo iraquiano e que nunca foi visto no ocidente – o homem que fez de Saddam foi o seu primo Saddam Kammel, que, conta a lenda, era incrivelmente parecido com o ditador, e a sua interpretação foi muito elogiada e premiada no Iraque, chegando mesmo a casar com Rina Hussein, uma filha do seu primo; o bom do Kammel lá se rebelou contra o ditador, fugiu para a Jordânia, regressou ao Iraque alguns meses depois e foi assassinado.
Kim Jong-il também é um aficcionado da sétima arte e faz tudo o que está ao seu alcance como ditador sanguinário e psicopata para impulsionar o cinema na Coreia do Norte. Antes de herdar o trono do seu pai Kim Il-Sung na autoproclamada República Popular Democrática da Coreia, o “Grande Líder”, escreveu um ensaio sobre teoria do cinema “Sobre a Arte do Cinema” (1973) e a coisa andava mais ou menos à volta do realismo socialista-estalinista com um toque musical e alguma sabedoria de Confúcio pelo meio. Aqui ficam algumas passagens, com um significado de desafiar a imaginação: “Quando um actor conhece dez elementos da verdade, deve tentar exprimir três ou quatro. Se só conhece três ou quatro mas tenta expressar dez, é como desenhar um cachorrinho quando se pretende desenhar um tigre.”
Querem mais? Aqui ficam outras pérolas de sabedoria daquele que, segundo informações recolhidas na internet (carecem de confirmação oficial), é o presidente do clube de fãs de Ava Gardner de Pyongyang. Desta vez, são conselhos aos actores. “Se um actor se achar demasiado importante apenas porque se tornou popular devido a um ou dois filmes e negligencia a sua educação ideológica e formação como actor, o seu rosto vai rapidamente desaparecer do ecrã.” E falta a parte da propaganda: “O dever básico dos creativos é criar filmes revolucionários de grande valor ideológico e artístico, que sejam contribuições válidas para equipar o povo com a armadura completa da ideologia do Partido e transmitir a toda a sociedade com o grande conceito de Juche (n.t.: também conhecido como kimilsungismo, a ideologia oficial da Coreia do Norte).”
Da teoria à prática, o maior admirador norte-coreano de Ava Gardner fez tudo para tentar criar uma indústria de cinema no seu país. O primeiro passo foi raptar um dos grandes realizadores do outro lado do Paralelo 38 para fazer um Godzilla socialista. O esforço resultou em “Pulgasari”, filme recordado hoje por “O Tronco da Teia”.

“Pulgasari”
Ano: 1985
Realização: Sang-ok Shin
Elenco: Chag Son Hui (Ami), Ham Gi Sop (Inde), Gwon Ri (Takse), Jong-uk Ri (Ana), Riyonun Ri (General Fuan), Yong-hok Pak (Rei), Pong-ilk Pak (Governador) e Kenpachiro Satsuma (Pulsagari)
Em exibição num cinema perto de si (se morar na Coreia do Norte). Se não for o caso, há uma edição VHS na amazon americana. Se algum dos nossos leitores for o feliz possuidor desta maravilha, por favor contactar de imediato “O Tronco da Teia”


A realidade ultrapassa a ficção, não é o que se costuma dizer? Poucos serão os filmes em que esta permissa seja mais verdadeira do que em “Pulgasari”. Primeiro os factos. Em 1978, Sang-ok Shin, um dos mais respeitados e populares realizadores da Coreia do Sul foi raptado, juntamente com a sua mulher, a actriz Choi Eun-he, por Kim Jong-il com o intuito de despoletar uma indústria de cinema na Coreia do Norte – mais tarde, o regime de Pyongyang negaria esta versão, dizendo que Shin, imobilizado com um pano de clorofórmio quando ia a caminho de um jantar, desertou de sua livre vontade para o norte, embora nos últimos tempos o governo norte-coreano tenha admitido o sequestro de vários cidadãos japoneses.
Segundo conta na sua autobiografia, Shin tentou, sem sucesso, fugir várias vezes nos primeiros tempos de cativeiro, o que khe valeu vários anos numa prisão, separado da mulher que julgava estar morta. Depois, foi chamado à presença do ditador para discutir projectos de filmes, ele que não andava nada contente com o cinema do seu país. Primeiro explicou a Shin e Choi que a prisão tinha sido um grande mal entendido de militares zelosos – parte desta conversa foi gravada pela mulher de Shin com um pequeno gravador.
Já integrado na máquina de propaganda norte-coreana, Shin recebeu um cheque no valor de 3 milhões de dólares (não terá sido em dólares, mas sim em moeda norte-coreana) e admitiu ter tido mais liberdade criativa do que estava à espera. Terá inclusive introduzido o primeiro beijo da história do cinema norte-coreano. Mas tudo estava sujeito à aprovação do ditador. A ideia era fazer filmes de entretenimento com conteúdo ideológico e que melhorassem a imagem do país no exterior.
Várias produções depois, chegamos a “Pulgasari”, que era para ser a grande bandeira do cinema “produced by” Kim Jong-il. Um filme de monstros tipo Godzilla, mas com um “twist” especial. Foi montada uma grande máquina de produção, foram chamados técnico dos estúdios Toho (a produtora dos filmes de Godzilla) e o homem que vestiu o fato do famoso lagarto gigante que estava sempre disposto a esmagar Tóquio. E, claro, milhares de efectivos do exército norte-coreano foram mobilizados para servir de figurantes.
Um tirano opressor mata o povo à fome, mas o povo revolta-se com a criação de uma criatura que se transforma num monstro chifrado à custa de uma alimentação à base de ferro. Até aqui tudo bem. Pulsagari parece ser uma representação do “Grande Líder” que ajuda os fracos e oprimidos numa revolução contra a classe dominante. Mas depois de consumada a vitória popular, Pulsagari (tradução livre para pequena estrela) revolta-se contra o povo e só o pedido de uma menina trava a fúria consumidora de ferro do monstro. Este final pode ser interpretado de duas maneiras, segundo escreve quem viu o filme: Pulsagari pode ser uma máquina capitalista que consome ferro e quer subjugar o povo, ou uma metáfora para o próprio Kim Il-sung, que se apoderou da revolução popular para esta servir os seus propósitos.
Shin entregou o filme a Kim Jong-il, que o entendeu como um grande triunfo e que seria um óptimo produto de exportação. Já com a total confiança de Jong-il, Chin foi a Viena tratar da distribuição europeia do filme e fugiu. Os seus filmes foram banidos da Coreia do Norte e “Pulsagari” não chegou às salas de cinema. Muitos anos depois, o filme teve uma distribuição limitada no Japão e foi um pequeno sucesso. Depois foi distribuído na Coreia do Sul e foi um grande fracasso. Menos de mil pessoas viram o filme durante uma semana de exibição em quatro cinemas de Seul.

P.S. - Se acharem que escrevi demasiado, digam. Vou tentar ser mais sucinto da próxima vez.

|

Por Eduardo D. Madeira Jr.

Blogs
Academy Members
Links
Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

EMAIL aberto a crí­ticas, sugestões, ameaças de morte e declarações de amor EduardoMadeira

Últimas teias

Como os carteiros americanos Antes de ser Monsieu... ::: A gerência avisa "O Tronco da Teia" vai retomar a... ::: Christopher Reeve (1952-2004) Não é a intenção de... ::: Janet Leigh (1927-2004) Janet Leigh foi muito mai... ::: Dois filmes impossíveis Conta a lenda que, num b... ::: Google works in misterious ways III Mais uma reco... ::: Antes do amanhecer Ainda não vi "Before Sunset", ... ::: Russ Meyer (1922-2004) Morreu Russ Meyer, homem d... ::: Ainda um som da Grécia Esta belíssima música de M... ::: Retrato da artista enquanto jovem Sim, é ela. Rep... :::

Teias cheais de teia

08/01/2003 - 09/01/2003 ::: 09/01/2003 - 10/01/2003 ::: 10/01/2003 - 11/01/2003 ::: 11/01/2003 - 12/01/2003 ::: 12/01/2003 - 01/01/2004 ::: 01/01/2004 - 02/01/2004 ::: 02/01/2004 - 03/01/2004 ::: 03/01/2004 - 04/01/2004 ::: 04/01/2004 - 05/01/2004 ::: 06/01/2004 - 07/01/2004 ::: 07/01/2004 - 08/01/2004 ::: 08/01/2004 - 09/01/2004 ::: 09/01/2004 - 10/01/2004 ::: 10/01/2004 - 11/01/2004 ::: 11/01/2004 - 12/01/2004 ::: 12/01/2004 - 01/01/2005 ::: 01/01/2005 - 02/01/2005 ::: 02/01/2005 - 03/01/2005 ::: 03/01/2005 - 04/01/2005 ::: 04/01/2005 - 05/01/2005 ::: 06/01/2005 - 07/01/2005 ::: 07/01/2005 - 08/01/2005 ::: 09/01/2005 - 10/01/2005 ::: 10/01/2005 - 11/01/2005 ::: 11/01/2005 - 12/01/2005 ::: 01/01/2006 - 02/01/2006 ::: 02/01/2006 - 03/01/2006 ::: 04/01/2006 - 05/01/2006 ::: 09/01/2006 - 10/01/2006 ::: 10/01/2006 - 11/01/2006 ::: 11/01/2006 - 12/01/2006 ::: 12/01/2006 - 01/01/2007 ::: 01/01/2007 - 02/01/2007 ::: 09/01/2007 - 10/01/2007 ::: 09/01/2008 - 10/01/2008 :::

O Blog do cinema esquecido, o bom e o mau. Por Eduardo D. Madeira Jr

Get awesome blog templates like this one from BlogSkins.com