Sessão nostalgia, parte II
Lembro-me perfeitamente do primeiro filme que vi de Steven Spielberg, onde e quando. Foi, salvo erro, em 1982, numa das salas do entretanto desaparecido Alfas Triplex. Tinha sete anos e o filme era "Os Salteadores da Arca Perdida". Vi-o a primeira vez, vi-o outra vez no ano seguinte numa reposição de Verão. Foi o primeiro filme que me lembro de ter visto sem ser de desenhos animados (que naquela altura, como sabem, eram dobrados em português de samba) e foi o primeiro filme que gravei da televisão quando a então maravilhosa tecnologia da gravação em vídeo era a grande loucura do momento. Ainda tenho essa gravação, com todos os anúncios pelo meio e antes, uma curta de animação da Warner com o Speedy Gonzalez e o Silvester.
Devo ter visto essa cassete centenas de vezes. Não sei quantas, mas "Os Salteadores da Arca Perdida" é, seguramente, o filme que mais vezes vi na vida. É claro que depois veio o "pack" dos três filmes em cassete e eu (com dinheiro de outros) comprei e, mais tarde (há uns bons meses) veio o "pack" de DVDs e eu, claro, comprei. Enfim, "to make a long story short", desde "Os Salteadores da Arca Perdida", Spielberg tem vindo sempre a descer. Sei que é uma opinião polémica e os meus amigos leitores e leitoras estão à vontade para discordar. Mas atenção, não entro naquela questão de dizer que este é melhor que aquele, ou que aquele é melhor que o outro. Falo de fascínio e poucos filmes terão sobre mim esse poder - outro deles será, como já aliás o disse num outro post "Moonfleet", de Fritz Lang.
"Os Salteadores da Arca Perdida" está longe de ser um filme esquecido (antes pelo contrário), embora talvez não ocupe o lugar que merecia no topo da cinematografia Spielberg. O mesmo não acontece com o filme que lhe antecedeu, "1941 - Ano Louco em Hollywood", que é injustamente considerado por muitos como o "pior" de Spielberg, razão mais que suficiente para "O Tronco da Teia" o escolher como o prato do dia na ementa de hoje.
“1941 – Ano Louco em Hollywood”
(“1941”)
Ano: 1979
Realizador: Steven Spielberg
Elenco: Dan Aykroyd (Sgt. Frank Tree), John Belushi (“Wild” Bill Kelso), Ned Beatty (Ward Douglas), Lorraine Gary (Joan Douglas), Murray Hamilton (Claude Crumm), Christopher Lee (Cap. Wolfgang von Kleinschmidt), Tim Matheson (Cap. Loomis Birkhead), Toshiro Mifune (Cmdt. Akiro Mitamura), Warren Oates (Cor. “Madman” Maddox), Robert Stack (Gen. Joseph Stilwell), Treat Williams (Stretch), Nancy Allen (Donna), John Candy (Foley), Eddie Deezen (Herbie), Bobby Di Cicco (Wally), Frank McRae (Jones), Slim Pickens (Hollis Wood) e Wendy Jo Sperber (Maxine)
Existe DVD, mas no estrangeiro, num inesperado "director's cut" com mais meia-hora de filme. Senhores das editoras portuguesas, quando se lembrarem de editar este filme cá no burgo, não se esqueça de colocar uma referência na contracapa (não precisa de ser na capa, mas se quiserem...) "Recomendado por Eduardo D. Madeira Jr, de O Tronco da Teia"
Começamos com uma curiosidade (cortesia dos rapazes do
imdb): John Wayne e Charlton Heston recusaram entrar em "1941" por considerarem que o filme era antipatriótico e gozava com os veteranos de guerra. Isto era em 1979. Agora avancem no tempo até aos dias de hoje e imaginem os nomes que iriam chamar a Spielberg se ele fizesse um filme sobre a paranoia militarista norte-americana, com soldados à porrada nas ruas de Hollywood, cidadãos com baterias anti-aéreas instaladas em casa ou generais que preferem ver o "Dumbo" a terem de se preocupar com a guerra?
"1941" passa-se, naturalmente, em 1941. Pearl Harbour tinha acabado de ser bombardeada pela aviação japonesa (
excelente dossier sobre o assunto na National Geographic; por favor, não se contentem em ver aquele filme horroroso com o Ben Affleck) e os EUA reforçavam as fileiras aliadas na II Guerra Mundial. Hollywood está em estado de sítio, contra uma possível invasão das forças do Eixo. É a véspera de Natal e ninguém está sossegado.
Entra em cena um submarino japonês, com um oficial nazi a bordo que navega sorrateiramente à noite pelas praias californianas à procura de um local para o desembarque - ao que parece, segundo li algures, isto aconteceu mesmo. Mas o submarino não é sorrateiro o suficiente para evitar um encontro imediato com uma descontraída rapariga que se banhava desnuda ao luar, tudo, claro, ao som da música de Tubarão (para quem não sabia, a actriz também é a mesma que é desfeita em bocadinhos pelas mandíbulas do bicho no início do filme).
Só este primeiro minuto dá para ter uma ideia do que é "1941", a primeira e única vez que Spielberg tentou fazer uma comédia a sério (perdoem a contradição) na vida. Spielberg tinha demasiado dinheiro em mãos, depois dos sucessos de "Encontros Imediatos de Terceiro Grau" e "Tubarão", e carta branca dos estúdios para fazer o que quisesse. Contratou os actores que quis (temos, desde Dan Aykroyd e John Belushi, até Toshiro Mifune e Christopher Lee, passando por Robert Stack e Warren Oates) e construiu (e destruiu) os cenários que entendeu para filmar uma coisa vagamente parecida com um argumento. Resultado? O inevitável fracasso financeiro e crítico - é claro que depois o Steven viria a ganhar milhões logo a seguir com "Salteadores" e "ET".
Podia destacar muita coisa em "1941", a roda gigante a ser atacada por um submarino, os soldados japoneses a tentarem meter num submarino um rádio gigante e a comentarem "temos de fazer isto mais pequeno", Slim Pickens (o cowboy da bomba em "Dr. Estranhoamor") a sentado na sanita com uma pistola encostada à cabeça para evacuar uma bússola, a absolutamente fabulosa coreografia da cena do baile dos voluntários, a secretária do general que só consegue ter orgasmos dentro de um avião e o tenente que tenta desesperadamente levá-la para a cama (desculpem, para o avião), o calmo cidadão que vai destruindo a própria casa enquanto tenta perceber como funciona um canhão emprestado pelo exército, ou a inesquecível criação de John Belushi do Capitão "Wild" Bill Kelso, um piloto que persegue esquadrões imaginários de aviões japoneses pelos céus da Califórnia?
Enfim, um puro desperdício de dinheiro. Mas eu gosto.
Por Eduardo D. Madeira Jr.