O renegado
O carisma tem destas coisas. Sean Connery era um desconhecido antes de ser James Bond, tinha alguma (pouca) experiência no cinema e tinha sido terceiro no concurso de Mr. Universo em 1953. Mas “Dr No” (1962) mudou tudo isso e ofereceu a Connery uma carreira que dura até hoje, incluindo um Óscar de melhor actor secundário.
Connery não queria ser Bond para sempre (ou os produtores não queriam que o actor fosse mais forte que a personagem) e, após cinco filmes, decidiram mudar de rosto. A escolha recaiu noutro desconhecido, o modelo/vendedor de carros australiano George Lazenby, que segundo rezam as lendas, utilizou várias artimanhas para convencer o produtor Cubby Brocolli.
Cortou o cabelo ao estilo Connery, mandou fazer um fato igual ao de Bond e comprou um Rolex igual ao de 007. Disse que era um actor experiente, que tinha um estilo de vida “playboy”, gostava de carros rápidos e mulheres quentes. Ou seja era tudo o que Bond representava. Os produtores gostaram do estilo e ofereceram-lhe a possibilidade de ser Bond em “Ao Serviço de Sua Majestade”, filme recordado hoje por “O Tronco da Teia”.
“Ao Serviço de Sua Majestade”
(“On Her Majesty’s Secret Service”)
Ano: 1969
Realizador: Peter Hunt
Elenco: George Lazenby (James Bond), Diana Rigg (Tracy), Telly Savalas (Blofeld), Gabriele Ferzetti (Draco), Ilse Steppat (Irma Bunt), Lois Maxwell (Moneypenny), George Baker (Hilary Bray), Bernard Lee (M) e Desmond Llewelyn (Q).
Disponível em VHS e DVD
George Lazenby está destinado a ser a resposta a uma pergunta do Trivial Pursuit. “Qual foi o actor que foi James Bond depois de Sean Connery e antes de Roger Moore?”. A falta de carisma de Lazenby em “Ao Serviço de Sua Majestade” fez com que os produtores não lhe renovassem a licença para matar e chamassem Connery para um último “hurrah” como Bond em “Os Diamantes são Eternos” antes de entregarem o papel ao santo Roger Moore – em rigor foi o penúltimo “hurrah de Connery, que, em 1983, com 63 anos, faria um dos Bond não alinhados “Nunca Mais Digas Nunca”, um “remake” mal disfarçado de “Thunderball”.
A prestação de atirou o filme para o esquecimento e para o álbum das más recordações dos Bond-fanáticos, mas “Ao Serviço de Sua Majestade” é, na verdade, um dos melhores, se não mesmo o melhor, da série. Tem a melhor história, o melhor vilão (Telly Savalas), a melhor Bond-girl (Diana Rigg), as melhores cenas de acção e, mais que tudo, acrescenta à personagem uma dimensão mais humana e trágica. Já para não falar da fabulosa música de Louis Armstrong “We’ve got all the time in the world”. Muitas razões para ultrapassar o trauma Lazenby, um cepo na verdadeira acepção da palavra, mas funcional no papel.
“Ao Serviço de Sua Majestade” é o único filme da série Bond que passou por Portugal, o único em que 007 se casou, e George Lazenby foi o único actor que encarnou apenas por uma vez o papel. Como Lazenby diz logo no início do filme, quando vê uma rapariga a resistir aos seus encantos e a fugir de si, “That never happened to the other fella”.
Entretanto, tivemos de suportar Roger Moore em sete filmes (qual deles o pior), levar com o shakespeariano Timothy Dalton em dois e o xaroposo Pierce Brosnan em quatro (pensamos que ainda vai fazer mais um). Fãs de Bond sejam sinceros: continuam a gostar da série ou só vão ver 007 ao cinema por inércia. Há quanto tempo não dizem “este é tão bom como os filmes com o Sean Connery”? Se nunca viram “Ao Serviço de Sua Majestade” (que é o de maior duração entre todos os Bond) talvez fiquem surpreendidos. Lazenby não é melhor que Connery, mas o filme vale bem a pena.
A ver (ou rever) sem reservas.
Por Eduardo D. Madeira Jr.