Adivinha quem vem jantar?
Não queremos fazer uma grande dissertação sobre as relações entre o teatro e o cinema. Basta apenas dizer que existem, e ainda bem que existem. Vale bem a pena ver um filme apenas pelo diálogo, pela química entre os actores, pela riqueza das personagens. “12 Homens em Fúria”, de Sydney Lumet, por exemplo, é um exercício magistral pela forma como aguenta 12 personagens fechadas numa sala (falando, é claro em tempo de filme) durante duas horas e assistir à personagem de Henry Fonda convencer 11 jurados a não condenar um homem à morte num julgamento por homicídio.
Mas não é “12 Homens em Fúria” o filme que “O Tronco da Teia” vai recordar. A ementa para hoje chama-se “Seis Graus de Separação”, filme de Fred Schepisi, onde Will Smith, “fresh out” da comédia televisiva “O Príncipe de Bel-Air”, desempenha o papel de um jovem, pobre, homossexual, com desejos de se integrar na alta sociedade. É a estreia dramática no cinema de Smith, mas estejam descansados: não envolve extraterrestres, lutadores de boxe, nem cenas manhosas com o Martin Lawrence.
E já agora, “O Tronco da Teia” deseja a todos os seus leitores um fantástico 2004.
“Seis Graus de Separação”
(“Six Degrees of Separation”)
Ano: 1993
Realizador: Fred Schepisi
Elenco: Donald Sutherland (Flan), Stockard Channing (Ouisa), Will Smith (Paul), Ian McKellen (Geoffrey), Bruce Davison (Larkin), Richard Masur (Dr. Fine), Anthony Michael Hall (Trent) e Mary Beth Hurt (Kitty).
Por mais estranho que pareça, existe uma edição portuguesa em DVD
Onde vamos jantar hoje? Deve ser a frase mais ouvida (pelo menos a julgar pelo que se vê nos filmes) na alta sociedade novaiorquina. Já fizeste as reservas? Vamos embora, senão perdemos as reservas. O que hei-de vestir? Flan e Ouisa Kittridge são um casal fino que tem de responder a estes dilemas. Têm uma profissão chique (negociantes de arte sem galeria), têm um quadro de Kandinsky em casa, mas não têm nada para comer no frigorífico.
Flan e Ouisa têm um convidado em casa, um milionário dono de minas de diamantes que nunca anda com dinheiro no bolso, e estão desesperados para o convencer a investir num Cezanne, mas não sabem como. Vindo não se sabe bem de onde, bate à porta do casal Kittridge um jovem negro ferido, a dizer que foi assaltado, que andou com os filhos na escola e que é filho de Sydney Poitier. Aos olhos de Flan e Ouisa e do convidado milionário, Paul é um jovem encantador, que sabe cozinhar, que recita de forma quase bibliográfica todos os pormenores da vida de Sydney Poitier, que fala apaixonadamente da sua tese de faculdade sobre “Uma Agulha no Palheiro”, de Salinger.
O negócio com o milionário concretiza-se, a comida feita por Paul com os restos que havia lá em casa estava deliciosa e os Kittridge sentem-se na obrigação de oferecer a Paul a camisa cor-de-rosa do filho e um sítio para passar a noite. Quando acordam, vêm um tipo louro a correr pela casa, pensam que foram assaltados, descobrem que não falta nada e que Paul era, afinal, um vigarista. Pelo menos é o que eles vão contar aos amigos.
Será assim que todo o filme decorre. Numa sucessão de festas, exposições, casamentos, cocktails, enfim, todo o tipo de acontecimentos sociais que possam imaginar, Flan e Ouisa vão contando a quem os quer ouvir todos os detalhes da história. “Podiamos ter sido mortos, Gargantas cortadas”, é o que Flan (de Flanders) não se cansa de dizer.
“Seis Graus de Separação” foi uma peça de teatro que teve enorme sucesso nos palcos da Broadway e que foi adaptada com brilhantismo por Fred Schepisi. O argumento é bom, os actores são excelentes e a montagem, mesmo não se tratando de um filme de acção (onde os méritos da montagem são geralmente mais reconhecidos), confere ao filme um ritmo invulgar.
Portanto, se apenas tiverem de ver um filme com Will Smith em todas as vossas vidas, esqueçam “Homens de Negro I e II”, “Wild Wild West” e “O Dia da Independência”. Embora Smith, segundo reza a história, se tenha recusado a beijar um homem na boca, tal como o papel exige. Se repararem bem, nessa cena Smith é filmado a aproximar-se da boca de Anthony Michael Hall, não se vendo o contacto labial porque o espectador só vê a cabeça de Hall.
Absorvente e intrigante. E, não me canso de dizer, muito fácil de comprar em Portugal, numa edição sem extras absolutamente nenhuns. Indispensável e, portanto, indesculpável se não tiverem este filme na vossa colecção.
Por Eduardo D. Madeira Jr.